sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Leituras

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Quando digo duramente,

pretendo a leitura,

não da dureza da pedra,

mas do brilho de um diamante.



MJ, 11/11/11


segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Amo o amor

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Fotografia: Yang Wang






Amo o amor
Amo os que amam 
genuinamente
e toda forma de amar
Amo o amor 
neste sentir não-dependente,
não-substituto 
da falta de amor 
por si próprio

Amo o amor 
nesta leveza 
contemplativa  da liberdade 
sua e do outro
do que gravita pelo mundo
e mesmo assim
em seu amor
se faz o mais presente
porque amor
é onipresença

Amo o amor que fala pelos olhos
reverbera no sorriso
que acolhe na pele
e nos ouvidos
morde com as palavras
no mordiscar de amor


Amo o amor que não carece de aprovação
pois que isto não é amor
é alguma coisa que obtura 
o buraco a ser tido 
como incapacidade 
de amar

Amo o amor que grita 
no silêncio de quem sabe 
o que seja amar
[E o que é saber amar?]
e por isto 
em urros contidos
silencio
- pois amar, 
já foi dito
transcende 
toda tentativa 

de explicar.








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sábado, 5 de novembro de 2011

Dos poemas: Poema em Linha Reta - Fernando Pessoa

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Poema em Linha Reta

                             
              Álvaro de Campos*

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


*Heterônimo de Fernando Pessoa


Na voz de Paulo de Autran, imperdível: 

http://www.youtube.com/watch?v=3dRchZ-vRAI&feature=player_embedded


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terça-feira, 18 de outubro de 2011

Do mundo jurídico: O fim de “Morde e Assopra” e o mundo imaginário dos juristas

Vozes que merecem ser ouvidas, ou palavras que merecem ser lidas, para um outro olhar sobre o mundo jurídico, justificando a escolha de seguir acreditando em um Direito diferente do senso comum.

Janice.




O fim de “Morde e Assopra” e o mundo imaginário dos juristas



O fim de “Morde e Assopra” e o mundo imaginário dos juristas

                                                                                   Gerivaldo Neiva *

Dia desses, navegando sem muito rumo na Internet, deparei-me com a notícia de que um novo mundo, com dinossauros e tudo, teria sido descoberto no interior do planeta terra. Segundo o relato, exploradores de caverna, em busca do fóssil da cabeça de um dinossauro, teriam encontrado este mundo fantástico após caírem em um lago profundo no interior de uma caverna.
Os noveleiros e noveleiras de plantão já sabem que este fato aconteceu no último capítulo da novela “Morde e Assopra”, da Rede Globo. Na pobre ficção global, os personagens encontraram a cabeça do dinossauro e, de quebra, a heroína reencontrou os pais, isolados neste mundo fantástico há muitos anos, e ainda trouxeram para a superfície uma mochila carregada de diamantes.
A ficção é pobre e sem o menor sentido. Apesar de localizado no centro da terra, no lugar encontrado existia luz e plantas. Como assim? De onde vem esta luz? Como ocorre a fotossíntese sem o sol? E o oxigênio, como era renovado? Ora bolas, em novela nada disso interessa e o telespectador se satisfaz com o final feliz e já dorme pensando na próxima novela. Muita parecida, aliás, com o enredo “daquela” outra novela que nem lembramos mais o nome.
Este mundo absurdo, desprovido de qualquer sentido real, no interior do planeta e distante, portanto, da vida nua, da poluição, da pobreza, da marginalidade e da violência urbana, lembrando Warat, fica parecendo aquelas fotografias de casamento em que os recém casados posam diante de um belo painel ou os bolos de casamento feitos de papelão nas cerimônias de casamento em Cuba. Em ambos os cenários, tal qual no mundo fantástico de “Morde e Assopra”, todos sabem que a paisagem por trás dos recém casados não é real e que o bolo é de papelão e serve apenas para compor a fotografia do casamento. Verdadeiros ou não, para a posteridade, no entanto, vão figurar como se fossem reais. Nossos olhares e mentes, como inebriados, serão absorvidos pela ilusão e o que era mentira torna-se verdade. Assim, de fato, os recém casados posaram diante de um palácio real e o bolo de casamento estava uma delícia. Segue a íntegra, aqui.
* Juiz de Direito (Ba), membro da Associação Juízes para a  Democracia (AJD), em 18.10.2011.


 

domingo, 9 de outubro de 2011

Julgamentos estéreis na desconsideração do outro

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Fotografia: Annie Leibovitz





Cansa-me a forma dos julgamentos. E isso não tem relação com a máxima de que não seria politicamente correto julgar, pois contraria a natureza humana. Todos julgam a todos e a tudo, o tempo todo, lançando olhares sobre fatos, atos, atitudes e concluindo algo sobre o que se apresente. Isso é julgar, formar convicção acerca de alguma coisa. Nada de errado.

O que a mim cansa são os julgamentos fundamentados no que seja 'normal'. Sei que o tema é batido, mas isto não significa que não mereça ser lembrado no intuito de sinalizar para o quanto se precisa crescer em nível de análise dos comportamentamentos, sobre nós mesmos e sobre o outro.

Julgar a partir do que seja normal. No Direito, por exemplo, há julgamentos motivados a partir de uma regra chamada 'experiência comum', que estaria representada pelo comportamento social usual frente a determinadas situações. Tal regra, em um julgamento, reforçaria a carga de aparência de verdade das alegações das partes no processo. Ou seja, se alguém recebe uma correspondência de cobrança indevida, o comum, habitual, é que a pessoa se insurja quanto a isto. É comum, mas nem sempre será 'a verdade' propriamente. Assim, somada à experiência comum  - comportamento usual coletivo -, outros elementos hão de vir ao processo para que se conclua pela inércia ou não diante do recebimento da cobrança controvertida.

No plano da vida cotidiana, comportamental, os naturais julgamentos humanos se processam de forma diferente. Parte-se de uma premissa de que comportamentos padrão coletivos são tidos como 'verdades absolutas' e, portanto, referenciais de normalidade.

Primeiro, embora se saiba é bom reforçar, não existe absoluto. Segundo, normalidade estabelecida a partir de um comportamento padrão será inexoravelmente afetada tão logo surja outra forma de agir, se posicionar. Afeta porque, ainda que se resista ao novo no intuito único de sustentar a segurança que a inércia traz à verdade estabelecida, o ato da resistência, por si só, acarreta o fim da zona de conforto do comportamento padrão, pois impõe um movimento diferente. Impulsiona para um julgamento e, assim, tira do estado de segurança.

Essa incômoda presença deveria servir, de antemão, não para precipitar uma conclusão de modo que se retorne ao estado confortável o quanto antes, mas sim entender que onde há resistência, há outras verdades, e que um julgamento mais próximo do justo será aquele que busca conhecer a verdade alheia antes da sentença que rejeita ou acolhe a forma do outro.

A par disso, quando digo que me cansa a forma dos julgamentos, quero chamar para os outros olhares que devemos ter sobre a aparência dos comportamentos. Aparência não diz com o que realmente é. Nada deve ser tido como normalidade - confundida com verdade aliás - quando a conclusão nascer e se sedimentar unicamente do olhar individual ou coletivo, a partir do microcosmos de convivência. Desse modo, tende-se a usar os filtros das verdades individuais sobre o objeto da observação, resultando conclusão de parecença, o que não traduz a verdade do objeto observado. Há outras formas de existir, ver e viver a vida e, portanto, fazer escolhas. Parece tão óbvio, mas o que observo é que a obviedade reside apenas em discursos.

Se é que se pode falar em normalidade, o normal deveria ser, então, cada um treinar sistematicamente o julgamento de suas próprias escolhas, depois observar as diferentes formas possíveis de se transitar na vida, contrapondo à sua própria forma. Daí então julgar. É que algo me diz que quem pratica o autoconhecimento consegue resistir menos às escolhas alheias, assim como dar menos importância aos julgamentos  recebidos - menos, pois enquanto seres sociais, não se pode dizer que julgamentos não afetam.

 


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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Das observações do universo feminino: 'Tese' da semivirgem, apesar dos novos tempos

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Tarsila do Amaral




O quadro: O mito de transar na primeira vez. A mulher conhece o fulano e vai direto para a cama no primeiro dia. O moço a interessa para romance. E nessa condição, mesmo sem ser perguntada, a mulher tende a justificar seu 'impulso permissivo/promíscuo', no intuito único de afugentar qualquer fumaça de pensamento que a inclua no rol das promíscuas. Afinal, acreditemos ou não, segue no imaginário comum a existência de uma identidade 'mulher pra casar' - leia-se 'pra casar' como relações estáveis. O carimbo no passaporte 'pra casar' vai ser lido a partir do comportamento das moças - tão modernas para tantas coisas, mas que a cultura machista ainda as faz dançar conforme a dança cultural.

Cena. Vão para cama. Exaustos do fim, jogam-se onde quer que seja. Hora de ela entrar derradeiramente em cena. Incorpora uma grande atriz hollywoodiana, ou Jenete-clairiana, conforme o gosto do freguês. Dá asas à imaginação, quando, de súbito, chama a atenção do único espectador, dando início à tragédia da vida privada. Posiciona-se no centro do palco, e seu único espectador será visto por ela como muitos, diante das múltiplas expectativas depositadas em um futuro namorado/marido. Então despeja o roteiro aprendido, ensaiado e praticado em tantos outros palcos por que já tenha se apresentado:

- Meu deus, meu deus... incrível, transei na primeira vez!! Isso nunca aconteceu comigo antes! O que, afinal, terá acontecido comigo hoje? Não consigo entender, é contra meus princípios, no mínimo espero até terceira vez... mas é que você... você, bem... você... você é tão espetacularmente espetacular em sua especialidade de ser espetacular que... enfim... sucumbi... Oh, céus...

Ok, corta! Fim do ato principal, e único que interessa aqui.
Ressalva: Tudo fake. E o ato teatral, diga-se, não é privilégio de menina de pouca idade apenas, vale para as balzaquianas e algumas lobas desavisadas também. E sim, homens, talvez porque precisem, costumam acreditar. Fecha a ressalva.
Dramaticidade à parte, fato é que é mais ou menos isto. Um drama repetido com maior ou menor veemência, (in)voluntária e contraditoriamente exercitado a partir de convicções culturais. Os tempos são outros, as atitutudes e discursos públicos são outros, próprios da irreverência que a contemporaneidade clama; mas, como se vê, no universo particular, privado, afloram as contradições e conflitos; e seguem as damas repetindo, repetindo, repetindo... perpetuando o modelo que conscientemente repelem.

Há lógica nisso. Uma mudança efetiva de valores sociais demanda décadas e décadas. Mexer com a cultura de um grupo social, pode ter o start em simbólicos atos, como queimar sutiãs em praça pública, declarar direitos de igualdade em legislações. Mas será apenas o start, pois que a introjeção de uma nova ordem dependerá da aceitação e prática cotidiana dos novos valores que se pretenda efetivar, igualmente praticando o exorcismo de tudo aquilo que conflitue, cause desconforto, por atemporal.

Cada um acredita no que precisa acreditar.
E cada um afugenta ou constroi dramas na exata medida de sua capacidade de ligar o 'dane-se' aos julgamentos alheios - que serão qualquer coisa diferente do que efetivamente se é.


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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Diálogos que causam





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Fotografia: Shlomi Nissim




Diálogos que causam
seria algo próximo à trasmutação de estados, condição.

Mexem. Revolvem.
Modificam o esquadrinhamento de certos sentires,
compreensões,
construídos a partir de experiências boas,
outras nem tanto,
mas que guardamos sós.

Mexidos e homogeneizados
por meio da provocação,
transformam-se os sentires em novas sensações.
Alteram a ordem das coisas,
os olhares despendidos sobre nosso microcosmos particular.

 Resulta uma espécie de metonímia de sentimentos,
onde o sentir-se dilacerado
vai dizer de ricos fragmentos
de emoção –
involuntariamente desvelados.
Que, ao cabo, será bom.

Onde o maldizer circunstâncias
reveste-se de desafogo momentâneo,
desatando o nó
aliviando a ardida garganta -
machucada
pelo não-dizer.

Onde o aparente descaso
é de ser lido como negligência inconsciente
por circunstancial,
alheio a tudo que a nós possa parecer
pois do outro -
em sua verdade não nossa.

 E até mais pontual
- pueril, paradoxal -,
diálogos metamorfoseiam:
onde antes se lia tristeza
dali em diante se lê alegria.
Onde antes suscitava desassossego
da provocação redunda calmaria.

Onde antes sugeria vazio
O diálogo
[que causa]
- liquefeito -
permeia,
ocupa.





* Inspiração em dois dialógos distintos, com os amigos queridos: Démerson Dias e Lu Picolli

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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A_pegada





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Meu apego não diz, pois
com digitais que marcam.
Antes,
fortemente apegada
à pegada
que toca
a alma.




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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Das flores de acácia

Lembro dos beijos roubados
e daqueles consentidos, apertados
Das cóssegas que faziam dobrar de rir
Dos banhos de rio, permitidos somente mais tarde
depois da digestão da melancia
- que passei a não comer mais...
Dos passeios na barca Esperança,
nome que demorei anos
para entender a tua escolha.
Das bonecas, dos triciclos e bicicletas
dos Natais que faziam olhos brilhar
Dos discos tocando, dos passos ensinados de dança
Dos espetáculos dos palhaços no picadeiro
de cada circo que chegasse na cidade





Das lágrimas no teu rosto
e da tua mão segurando forte a minha
enquanto a criança chorava
em quartos de hospitais
- medo de 'injeções'
que eram para curar.
E por isso,
Das missas e procissões,
das asas de anjo,
pagando as tuas promessas
para Deus me salvar.
E me deste a vida duas vezes!




Das nossas sexta-feiras,
durante as férias,
convocada para o posto de navegadora de bordo
percorrendo as estradas de chão batido,
embriagados pelo cheiro das flores de acácia negra,
[a árvore de onde colheste tantos frutos,
é perfume
pra sempre
impregnado em mim]
Acompanhados de música,
cantarolávamos juntos
repertórios sem fim.




Do meu fascínio por guiar,
oriundo do teu colo,
me ensinando aquela lógica estranha
de trocas de marcha e direções.
Faltaria muito até alcançar
o entendimento
e os pedais.




Lembro do teu gesto de leão,
defendendo a leoazinha
- e nem era pra tanto...

Das tuas lutas e batalhas sociais
dos discursos que me orgulhavam
de tua conduta ética,
teu caráter, boa-fé exagerada,
sem jamais se deixar contaminar.

Compreendi a aparente ausência,
sabendo hoje que ausência de evidência
não significa evidência de ausência *
- era tua forma.

Enxergo o meu sorriso
e ganas
que lembram os teus.

  Obrigada por poder te agradecer.

[Adair Vianna -  25.09.1935 - 24.06.2012]



*Carl Sagan




terça-feira, 9 de agosto de 2011