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Arte: Sofia Barreto |
Sempre achei estranho quem reclamasse da menstruação. O estranhamento teve início, talvez, no fato de que minha mãe condicionou a primeira depilação das pernas à menarca. Quando ficar mocinha... o prêmio. Menstruei. E em minutos, feliz, já estava sob o chuveiro, dando adeus aos pelos adolescentes. Talvez estranhasse, também, porque nunca tive cólicas. Ou, ainda, porque cedo tive a sorte de flertar com o O.B. e viver um tórrido e derradeiro caso de amor com o Tampax; coroaram a relação - numa espécie de liberdade pra ser fêmea, distante da mulher de tolos desconfortos. Menstruar, pra mim, sempre foi feito a chuva em sua literal e simbólica renovação de ciclos fecundos - gestando, nutrindo, parindo, limpando. Eu, me esvaindo em, e banhando de - sangue. Acho que toda mulher deveria amar sangrar, e também amar sangrando. Quem sabe, assim, os homens talvez tivessem uma outra relação com os banhos de sangue.
O poema que segue bem que caberia numa ode à menstruação...
Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.
Os homens vertem sangue
por doença,
sangria
ou por punhal cravado,
rubra urgência
a estancar,
trancar
no escuro emaranhado
das artérias.
Em nós
o sangue aflora
como fonte
no côncavo do corpo,
olho-d'água escarlate,
encharcado cetim
que escorre
em fio.
Nosso sangue se dá
de mão beijada.
Se entrega ao tempo
como chuva ou vento.
O sangue masculino
tinge as armas
e o mar.
Empapa o chão
dos campos de batalha,
respinga nas bandeiras,
mancha a história.
O nosso vai colhido
em brancos panos,
escorre sobre as coxas,
benze o leito.
Manso sangrar sem grito
que anuncia
a ciranda
da fêmea.
Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.
Pois há um sangue
que corre para a Morte.
E o nosso
que se entrega para a Lua.
[Marina Colasanti]
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