domingo, 23 de junho de 2013

Vocação x mercantilização. Faltam médicos?









À mim parece que a visão de que não falte médicos no Brasil é formulada a partir de interesses individuais de uma determinada classe social, desconsiderando todos os interesses em jogo e, especialmente, os principais motivos que impedem uma reflexão mais ampla como a causa impõe.

Diferente da bandeira levantada pelos futuros e antigos profissionais da medicina, de que não faltam médicos no território nacional, dados do Ministério da Saúde revelam que são 1,8 médicos por mil habitantes no Brasil. Na Argentina são 3,2 e em Portugal e Espanha 4 médicos por mil habitantes. Algo se extrai disso. Falta.

Falta, e muito, também, investimento do Estado no segmento da saúde. Todos concordam que é urgente uma formulação e reformulação da política de investimentos em saúde. Entretanto, concorde-se ou não, a polêmica importação de mão-de-obra pelo Estado, para sanear parcialmente o déficit de médicos em regiões distantes dos grandes centros, indica algum movimento do Estado nesta direção de formulações.

Quando os números traduzem uma realidade e o debate das ações do Estado são reduzidas ao plano de interesses individuais, sem considerar os demais interesses envolvidos, me ocorre uma outra falta que talvez devesse ser relevada, ainda que na esfera mais íntima apenas.

Diz com a falta de capacidade para distinguir a diferença entre vocação e mercantilização de uma carreira/atuação - mais ainda quando a área de atuação carregar interesse diretamente relacionado ao bem maior a ser legalmente perseguido e resguardado: a vida.

No formato de sociedade que se vive a maioria das carreiras são escolhidas, em primeira instância, para atender as necessidades patrimoniais individuais do profissional. Visam o resultado no lucro. Não seria diferente com a área médica, quanto mais pelo fato que estes profissionais são oriundos, com raras exceções, da classe média mais abastada. É a classe capaz de suportar o elevado custo do curso. Pelas regras da experiência, filhos da classe média tendem fazer escolhas para manter ou elevar o padrão social que já inseridos. Nada fora do contexto quanto às razões de escolha das profissões atuais, justificando, inclusive, a concentração de determinadas áreas nos grandes centros  (pela procura). É o caso da medicina.

No entanto, quando se pensa em atividades que lidam diretamente com o bem da vida, quer-se crer que haja um maior sopesamento entre vocação e resultado mercantil da  escolha. Vocação aparece claramente no desprendimento da visão unicamente mercantilista. Na superação da ultrapassada apologia à glamourização de uma carreira. No deslocamento dos grandes centros. Na medicina familiar. No atendimento no horário marcado. Na letra legível que se faz entender. No atendimento humanizado que raramente se vê [experimente-se acompanhar o atendimento de uma pessoa de baixa instrução, baixa renda, em locais públicos para conhecer os profissionais a que o povo é submetido].

Este é o médico que falta. O Estado enxergando através dos números, ainda que alternativamente, buscou solução para estreitar a lacuna criada a partir de uma nova realidade. 

Nessa circunstância, por mais que se pretenda um Estado paternal, não há por onde extrair  responsabilidade do [pai-]Estado nas escolhas individuais que desconsideram os novos tempos, as novas necessidades sociais. Não compete ao Estado esclarecer a diferença entre vocação e mercantilização de carreiras. O Estando não responde pela incapacidade individual de observar demandas coletivas, nem tão pouco poderá ser responsabilizado pela distração particular quanto aos modelos vencidos. 

O exercício de pensar para além do interesse individual amplia a capacidade de formar um juízo de valor mais próximo ao justo, sem esquecer que nem sempre o justo significará ser o melhor para quem julga.

Assim, investimentos em saúde é medida urgente, todos concordam. Mas até que se implementem, deslocando-se, então, da compreensão autorreferente, deveria-se dedicar o olhar sobre cidadãos que dependem do precário serviço público saúde e, pior que isto, para aqueles que sequer dispõem do serviço por viverem distantes dos grandes centros deste país-continental. 

Por tudo isso, a importação de mão-de-obra para a saúde sugere uma boa solução, em especial quando vem de um país referência internacional em várias das áreas da medicina, como reconhecidamente é o caso de Cuba.

Não se sabe se os cubanos seriam aqueles vocacionados que todo profissional da área da saúde devesse ser, mas a considerar o padrão social daquele país, espera-se que olhem os cidadãos com mais humanidade, pouco importando ser de baixa renda ou que vivam nos confins deste Brasil. Coisa que a nossa classe média, admita-se, tem se mostrado nada disposta.



Atualização. Dois meses depois deste post, com a chegada de médicos vindos de Cuba, importantíssima a leitura da matéria elucidativa que segue no link.

http://www.brasil247.com/pt/247/saudeebemestar/112703/O-que-voc%C3%AA-precisa-saber-sobre-m%C3%A9dicos-cubanos.htm


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