Tarsila do Amaral
O quadro: O mito de transar na primeira vez. A mulher conhece o fulano e vai direto para a cama no primeiro dia. O moço a interessa para romance. E nessa condição, mesmo sem ser perguntada, a mulher tende a justificar seu 'impulso permissivo/promíscuo', no intuito único de afugentar qualquer fumaça de pensamento que a inclua no rol das promíscuas. Afinal, acreditemos ou não, segue no imaginário comum a existência de uma identidade 'mulher pra casar' - leia-se 'pra casar' como relações estáveis. O carimbo no passaporte 'pra casar' vai ser lido a partir do comportamento das moças - tão modernas para tantas coisas, mas que a cultura machista ainda as faz dançar conforme a dança cultural.
Cena. Vão para cama. Exaustos do fim, jogam-se onde quer que seja. Hora de ela entrar derradeiramente em cena. Incorpora uma grande atriz hollywoodiana, ou Jenete-clairiana, conforme o gosto do freguês. Dá asas à imaginação, quando, de súbito, chama a atenção do único espectador, dando início à tragédia da vida privada. Posiciona-se no centro do palco, e seu único espectador será visto por ela como muitos, diante das múltiplas expectativas depositadas em um futuro namorado/marido. Então despeja o roteiro aprendido, ensaiado e praticado em tantos outros palcos por que já tenha se apresentado:
- Meu deus, meu deus... incrível, transei na primeira vez!! Isso nunca aconteceu comigo antes! O que, afinal, terá acontecido comigo hoje? Não consigo entender, é contra meus princípios, no mínimo espero até terceira vez... mas é que você... você, bem... você... você é tão espetacularmente espetacular em sua especialidade de ser espetacular que... enfim... sucumbi... Oh, céus...
Ok, corta! Fim do ato principal, e único que interessa aqui.
Ressalva: Tudo fake. E o ato teatral, diga-se, não é privilégio de menina de pouca idade apenas, vale para as balzaquianas e algumas lobas desavisadas também. E sim, homens, talvez porque precisem, costumam acreditar. Fecha a ressalva.
Dramaticidade à parte, fato é que é mais ou menos isto. Um drama repetido com maior ou menor veemência, (in)voluntária e contraditoriamente exercitado a partir de convicções culturais. Os tempos são outros, as atitutudes e discursos públicos são outros, próprios da irreverência que a contemporaneidade clama; mas, como se vê, no universo particular, privado, afloram as contradições e conflitos; e seguem as damas repetindo, repetindo, repetindo... perpetuando o modelo que conscientemente repelem.
Há lógica nisso. Uma mudança efetiva de valores sociais demanda décadas e décadas. Mexer com a cultura de um grupo social, pode ter o start em simbólicos atos, como queimar sutiãs em praça pública, declarar direitos de igualdade em legislações. Mas será apenas o start, pois que a introjeção de uma nova ordem dependerá da aceitação e prática cotidiana dos novos valores que se pretenda efetivar, igualmente praticando o exorcismo de tudo aquilo que conflitue, cause desconforto, por atemporal.
Cada um acredita no que precisa acreditar.
E cada um afugenta ou constroi dramas na exata medida de sua capacidade de ligar o 'dane-se' aos julgamentos alheios - que serão qualquer coisa diferente do que efetivamente se é.
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As pessoas sofrem hoje, da mais pura falta de coragem, principalmente em mostrar, sem jogos o que querem realmente de uma relação, e quando são verdadeiras,sabem que correm sérios riscos e o principal deles, é , o de perder o ser que despertou nelas uma vontade infinita de dividir a vida. Mas mesmo assim é preferível correr o risco pela verdade e coragem de se mostrar como é,e, resolver logo, do que fingir e empurrar com a barriga uma pessoa que jamais será.Um dia as mascaras caem! Ai acaba o espetáculo,as cortinas se fecham, e o personagem acaba,ficando tão somente o ator, e o que ele é de verdade!
ResponderExcluirAdorei teu texto amiga parabéns, a verdade sempre, sem jogos,sem máscaras sem personagens!!
Oi Janice,
ResponderExcluirMesmo após mais de quarenta anos da busca da emancipação feminina ainda persiste sem duvida o estereótipo do “pra casar”. E na cabeça de ambos os sexos. O modelo sem duvida se repete em franca contradição. O despreparo maior é ainda observado nos homens e me parece que talvez isso seja consequência da criação machista ainda estabelecida pelas próprias mulheres que os criam assim. O nosso modelo social ainda permanece ligado ao conservadorismo. O que se “é” ainda permanece ligado ao que “aparenta ser”. Muito bom o seu texto. Dá conversa de horas......
bjos
Prestando um serviço às mulheres, gostei da junção de 3 comentários masculinos, enviados diretamente a mim, via e-mail. Faixas etárias distintas, estado 'marital' distintos.
ResponderExcluir1. Homem 43 anos:
Mas será que ainda existe essa preocupação mesmo?
(casado)
2. Homem 55 anos:
E o que dizer dos homens que convidam as mulheres pra jantar, pra um cinema,
um passeio no parque, e só revelam suas intenções de levá-las pra cama no
terceiro ou quarto encontro? Seria a versão masculina de querer parecer
aquilo que não se é? ou o medo do julgamento feminino de que os homens só se
interessam por isto?
Bem, este é o mundo que nos tocou viver...Transições, nem sempre muito bem
compreendidas.
beijo
3: Homem 25 anos:
E o teatro se estende a outras especialidades. Explico!!!
Quando as mulheres fazem sexo %#@2%$, por exemplo. Fazem questão de dizer...NOSSA...FOI MINHA PRIMEIRA VEZ...ME SENTI TÃO CONFORTÁVEL, (n motivos) e acabam fazendo do mesmo jeito e insinuando uma novidade tão especial, como se o cara (inserido naqueles que fingem que acreditam) se importasse com tamanha "preferência"...hahahahah!!!!!
Se me fiz entender...acho que é isso!!!Mas pode estender o comentário para as práticas 3&@#! e %$#&!# e *%@?O& e etc... hahaha!!!!
(omiti os nomes da práticas porque não programei meu blog para advertir sobre o conteúdo antes do acesso rsssr)