quinta-feira, 29 de março de 2012

Quando a vida começa



" A vida começa
quando a gente compreende
que ela não dura muito."

Millôr Fernandes 1924 - 2012




Não tenho bem certeza, se é que se pode falar em certezas nesta vida, de quando é que nos apropriamos desta incongruente verdade, de boniteza inquietante, tão bem dita por Millôr.









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sábado, 10 de março de 2012

Um tempo sem nome*





Chico Buarque canta seu novo amor e Rosiska Darcy de Oliveira encanta quando, inspirada em Chico, aponta a vida que pulsa constante nos envelhecentes, revelando sobre o novo conceito de envelhecer.

Essa Pequena
Chico Buarque

Meu tempo é curto, o tempo dela sobra
Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora
Temo que não dure muito a nossa novela, mas
Eu sou tão feliz com ela


Meu dia voa e ela não acorda
Vou até a esquina, ela quer ir para a Flórida
Acho que nem sei direito o que é que ela fala, mas
Não canso de contemplá-la


Feito avarento, conto os meus minutos
Cada segundo que se esvai
Cuidando dela, que anda noutro mundo
Ela que esbanja suas horas ao vento, ai


Às vezes ela pinta a boca e sai
Fique à vontade, eu digo, take your time
Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas
O blues já valeu a pena

Um tempo sem nome
Rosiska Darcy de Oliveira, O Globo, 21/01/12
Com seu cabelo cinza, rugas novas e os mesmos olhos verdes, cantando madrigais para a moça do cabelo cor de abóbora, Chico Buarque de Holanda vai bater de frente com as patrulhas do senso comum. Elas torcem o nariz para mais essa audácia do trovador. O casal cinza e cor de abóbora segue seu caminho e tomara que ele continue cantando “eu sou tão feliz com ela” sem encontrar resposta ao “que será que dá dentro da gente que não devia”.
 Afinal, é o olhar estrangeiro que nos faz estrangeiros a nós mesmos e cria os interditos que balizam o que supostamente é ou deixa de ser adequado a uma faixa etária. O olhar alheio é mais cruel que a decadência das formas. É ele que mina a autoimagem, que nos constitui como velhos, desconhece e, de certa forma, proíbe a verdade de um corpo sujeito à impiedade dos anos sem que envelheça o alumbramento diante da vida .
Proust, que de gente entendia como ninguém, descreve o envelhecer como o mais abstrato dos sentimentos humanos. O príncipe Fabrizio Salinas, o Leopardo criado por Tommasi di Lampedusa, não ouvia o barulho dos grãos de areia que escorrem na ampulheta. Não fora o entorno e seus espelhos, netos que nascem, amigos que morrem, não fosse o tempo “um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho“, segundo Caetano, quem, por si mesmo, se perceberia envelhecer? Morreríamos nos acreditando jovens como sempre fomos.
 A vida sobrepõe uma série de experiências que não se anulam, ao contrário, se mesclam e compõem uma identidade. O idoso não anula dentro de si a criança e o adolescente, todos reais e atuais, fantasmas saudosos de um corpo que os acolhia, hoje inquilinos de uma pele em que não se reconhecem. E, se é verdade que o envelhecer é um fato e uma foto, é também verdade que quem não se reconhece na foto, se reconhece na memória e no frescor das emoções que persistem. É assim que, vulcânica, a adolescência pode brotar em um homem ou uma mulher de meia-idade, fazendo projetos que mal cabem em uma vida inteira.
Essa doce liberdade de se reinventar a cada dia poderia prescindir do esforço patético de camuflar com cirurgias e botoxes — obras na casa demolida — a inexorável escultura do tempo. O medo pânico de envelhecer, que fez da cirurgia estética um próspero campo da medicina e de uma vendedora de cosméticos a mulher mais rica do mundo, se explica justamente pela depreciação cultural e social que o avançar na idade provoca.
Ninguém quer parecer idoso, já que ser idoso está associado a uma sequência de perdas que começam com a da beleza e a da saúde. Verdadeira até então, essa depreciação vai sendo desmentida por uma saudável evolução das mentalidades: a velhice não é mais o que era antes. Nem é mais quando era antes. Os dois ritos de passagem que a anunciavam, o fim do trabalho e da libido, estão, ambos, perdendo autoridade. Quem se aposenta continua a viver em um mundo irreconhecível que propõe novos interesses e atividades. A curiosidade se aguça na medida em que se é desafiado por bem mais que o tradicional choque de gerações com seus conflitos e desentendimentos. Uma verdadeira mudança de era nos leva de roldão, oferecendo-nos ao mesmo tempo o privilégio e o susto de dela participar.
A libido, seja por uma maior liberalização dos costumes, seja por progressos da medicina, reclama seus direitos na terceira idade com uma naturalidade que em outros tempos já foi chamada de despudor. Esmaece a fronteira entre as fases da vida. É o conceito de velhice que envelhece. Envelhecer como sinônimo de decadência deixou de ser uma profecia que se autorrealiza. Sem, no entanto, impedir a lucidez sobre o desfecho.
"Meu tempo é curto e o tempo dela sobra”, lamenta-se o trovador, que não ignora a traição que nosso corpo nos reserva. Nosso melhor amigo, que conhecemos melhor que nossa própria alma, companheiro dos maiores prazeres, um dia nos trairá, adverte o imperador Adriano em suas memórias escritas por Marguerite Yourcenar.
Todos os corpos são traidores. Essa traição, incontornável, que não é segredo para ninguém, não justifica transformar nossos dias em sala de espera, espectadores conformados e passivos da degradação das células e dos projetos de futuro, aguardando o dia da traição.
Chico, à beira dos setenta anos, criando com brilho, ora literatura , ora música, cantando um novo amor, é a quintessência desse fenômeno, um tempo da vida que não se parece em nada com o que um dia se chamou de velhice. Esse tempo ainda não encontrou seu nome. Por enquanto podemos chamá-lo apenas de vida.
Rosyska Darcy de Oliveira, escritora.




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sábado, 3 de março de 2012

Perder-se

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Ontem perdia a cabeça 
- passional
hormonal
paradoxal.
Hoje me perco
em cabeças
- racional[?!]

Que eu jamais perca
a chance de me encontrar
perdida
em boas cabeças.








terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Estatutos do Homem - Thiago de Mello

Thiago de Mello




Estatutos do Homem - Thiago de Mello*


Art.1º. Fica decretado que agora vale a verdade, que agora vale a vida e que de mãos dadas trabalharemos todos pela vida verdadeira. 

Art.2º. Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de Domingo.

Art.3º. Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança. 

Art.4º. Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único: O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino. 

Art.5º. Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura das palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa. 

Art.6º. Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto da aurora. 

Art.7º. Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.

Art.8º. Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que da a planta o milagre da flor. 

Art.9º. Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor de ternura.

Art.10º. Fica permitido a qualquer pessoa, a qualquer hora da vida o uso do traje branco. 

Art.11º. Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã. 
  
Art.12º. Decreta-se que nada será obrigado nem proibido. Tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela. 
 Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.

Art.13º. Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou. 

Art. Final: Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano do engano das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.




*Amadeu Thiago de Mello (Brasil, 1926)


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terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Abandono

Campo de Alfazema




Há circunstâncias que são um convite ao abandono.
Resta saber da vontade
- que não se confunde com coragem.

                                                                   



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domingo, 5 de fevereiro de 2012

Saber ler

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O mundo seria tão melhor se... ...tantas coisas.
Se houvesse menos fascismo velado, corrupção desmedida, deformidade do papel dos três poderes; menos conivência da turba, que critica em coro, porém repete o ato rechaçado, ainda que por outro viés; menos devoção à nova igreja, que em nome do único deus atual - capitalismo - pratica a santa inquisição da modernidade.
Seria tão melhor.
Mas apesar disso -  ainda que utopia - mesmo assim, seria tão melhor se as pessoas se abrissem e manifestassem mais afeto, carinho. Sorrissem mais umas às outras; quebrassem o gelo da falsa formalidade e moralidade, dos preconceituosos e fantasiosos medos que um gesto carinhoso, uma presença, provocam em alguns. Seria tão melhor se não recebessem como invasão, assédio  - como se por detrás de cada investida carinhosa existisse outro interesse, que apenas gentileza ou boa educação. Julgam o tempo todo com base em sua medíocre e deturpada forma de perceber os afetos. Apesar de tudo isso, então, seria o mundo um pouco melhor se estes que leem assédio numa presença, num carinho, na boa edução, recalculassem suas rotas rumo a um divã.

Quanto uso a boca vermelha,
é simplesmente a cor do meu batom.











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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Maturidade slow motion

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Fotografia: Elena Kalis




Em geral a maturidade chega em slow motion para os homens.
Talvez isso, também, explique a maior abertura da mulheres maduras aos garotões - dizem elas, pouco muda. Talvez, também, em parceria com os efeitos do capitalismo, que se consolida pelo consumo desenfreado, justifique a atração das garotinhas pelos tiozões - para além da transferência da figura paterna.
[Resguardadas sempre as exceções, pois tem vezes que o quê reluz é de fato ouro.]

                                                                                                      MJ

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Onde fica seu ponto G?

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[Lá do blog - imperdível - da querida Andréa Beheregaray.]

Sobre o Ponto G, pois então, Deinha, houve o tempo em que acreditei fosse lenda. E não é que um belo dia, um belo cérebro interlocutor, apontou-me o caminho: meus ouvidos!!! A propósito, os orgamos múltiplos não são lenda também, porque quanto mais ouço aquelas falas que preciso ouvir, os gozos se tornam involuntários.
                                        




http://andreatpm.blogspot.com/2012/01/onde-vive-o-ponto-g.html



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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Sobre a disposição ao amor



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 Eros e Psiquê - Antonio Canova (1787-1794).





Na medida da experiência de um (ou uns) grande amor, tem-se a ilusória impressão de se ter aprendido sobre ele. No entanto, vem a vida - moderna em sua instantaneidade - e mostra que nada ou muito pouco se sabe, notadamente no que diz com o tempo, e com o substrato do amor.

A questão é saber que não se vive sem ele(?). E em não se suportando a vida sem o amor, a que nos dispomos, sabendo-se de alguns de seus intransponíveis limites e inexoráveis condições.

Segundo Bauman, em seu Amor Líquido "A promessa de aprender a arte de amor é a oferta (falsa, enganosa, mas que se deseja ardentemente que seja verdadeira) de construir a 'experiência amorosa' à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem, exibindo todas essas características e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultados sem esforço. Sem humildade e coragem não há amor. Essas duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e não mapeada. E é a esse território que o amor conduz ao se instalar entre dois ou mais seres humanos. Eros, como insiste Levinas, difere da posse e do poder; não é nem uma batalha nem uma fusão - e nem tampouco conhecimento. Eros é 'uma relação com a alteridade, com o mistério, ou seja, com o futuro, com o que está ausente no mundo que contém tudo que é... . O phatos do amor consiste na intransponível dualidade dos seres'. Tentativas de superar essa dualidade, de abrandar o obstinado e domar o turbulento, de tornar prognosticável o incognoscível e de acorrentar o nômade - tudo isso soa como um dobre de finados para o amor. Eros não quer sobreviver à dualidade. Quando se trata de amor, posse, poder, fusão e desencanto são os Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Nisso reside a assombrosa fragilidade do amor, lado a lado com a sua maldita recusa em suportar com leveza a vulnerabilidade. Todo amor empenha-se em subjugar, mas quando triunfa encontra a derradeira derrota. Todo amor luta para enterrar as fontes de sua precariedade e incerteza, mas, se obtém êxito, logo começa a se enfraquecer - e definhar.
(...)
O desafio, a atração e a sedução do Outro tornam toda distância, que reduzida e minúscula, insuportavelmente grande. A abertura tem a aparência de um precipício. Fusão e subjugação parecem ser as únicas curas para o tormento. E não há senão uma tênue fronteira à qual facilmente se fecham os olhos, entre a carícia suave e gentil e a garra que aperta, implacável. Eros não pode ser fiel a si mesmo sem praticar a primeira, mas não pode praticá-la sem correr o risco da segunda. Eros move a mão que se estende na direção do outro - mas mãos que acariciam também podem prender e esmagar.

Não importa o que você aprendeu sobre amor e amar, sua sabedoria só pode vir, tal como o Messias de Kafka, um dia depois de sua chegada. "






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