segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Agradecer










É preciso agradecer por todas as minhas capacidades! Obrigada!
Bem-vindo novo e transformador 2013.
Alguns começos daqui.






domingo, 30 de dezembro de 2012

Encerrando ciclos




Daehyun  Kim




Despedida de um ano que foi marco. Sempre estou em mim, mas estive bem mais neste ano pela perda de meu pai. A tristeza, que avassala no ápice da dor, foi lentamente transformada em gratidão. Transformada em bem-sentir. Não é fruto de dever cumprido, e sim de estar filha e pai como conseguimos ser. O rosto vai se desfazendo na concretude que a materialidade de estar vivo carrega. Pulso que não pulsa. E então construo um novo rosto. Uma nova forma. Feita de lembranças. De cada linha que acarinhei. Da mão que segurou forte quando precisei. Daquela que dei, firme, quando precisou. Se pudesse voltar o tempo, não voltaria. Sigo daqui, reconhecendo suas tantas influências em mim. Dois mil e doze fecha com o encerramento deste ciclo importante. E mais outros. Fim.







sábado, 29 de dezembro de 2012

Tanto melhor, assim



Joan Miró



Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento,
Assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade.
Mas, como a realidade pensada não é a dita mas a pensada,
Assim a mesma dita realidade existe, não o ser pensada.
Assim tudo o que existe, simplesmente existe.
O resto é uma espécie de sono que temos,
Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença.

                    Alberto Caeiro



terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A Mulher Madura - Affonso Romano Sant'Anna






Fotografia: Brad Kunkle




O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.

De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.

Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.

A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.

A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.

A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.

A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.

O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.

Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.

Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.

Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.

A mulher madura está pronta para algo definitivo.

Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.

A mulher madura é um ser luminoso é repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.

Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.

                                                                                                                                      Affonso Romano de Sant'Anna






sábado, 15 de dezembro de 2012

Dá pra não complicar?









Porque há vontades que não deixam espaço para complexidades vãs. 
A vida convoca à simplicidade.






quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

É o que a casa oferece









Não que tenha medo de fantasmas. Tenho é blindagem contra medo alheio de seus ectoplasmas não exorcizados. Para os meus, reza e água benta - fique em paz, mantendo distância regular, por favor. 
Não que tenha medo de luta. Tenho pânico é de guerra. Das tantas que já comprei e não eram minhas. Serve oferta de batalha? Só se for conjunta. Eu e eu mesma, e quem mais quiser. Comunhão de esforços para identificar desejos bons e fórmulas para realizar os que se queira seja mantido - bonito isto, caso não trouxesse alguma carga de idealização. E não nego, dela também se constroem sonhos.
Não que tenha pressa. Tenho é urgências de ganhar a comida que mantém pulsante o sopro da crença de que sempre vale a pena. Senão, bem verdade que até que não morro de fome. Uma parte sobrevive, e bem, pois esta depende apenas do que eu a ofereça. Morre aquela que não se alimenta da comida que tem de ser entregue pelo outro. Uma morte sem direito à dedicado luto, pois já morri de véspera tantas vezes que hoje poucas mortes doem aqui. 
Não que me falte paciência. Tenho é baixa tolerância para elucubração. Faça-se, então.
E haja coragem.








quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

12.12.2012












Deve ser o período do ano.  Semana passada, mirando a madrugada silenciosa da janela, um risco de fogo cruzou o céu. Fazia anos não via uma estrela cadente. E lembrei dos tantos céus em que me perdi nas noites escuras lá do interior. As luzes dos grandes centros roubam a atenção daquele que parecia um pano escuro imenso, com furinhos que deixavam passar a luz de uma outra dimensão - era o olhar da criança para as estrelas. Lembrei das tantas luas, e que era vício acompanhar suas fases no correr das estações do ano. E quantas vezes o telhado foi lugar escolhido para antecipar sua chegada, alimentando a ilusão de que dali seria possível tocá-la - sem noção que um passo em falso custaria o adeus ao mirante escondido. Deve mesmo ser alguma espécie de pacto que o céu e a lua fazem com certas pessoas. Decretam a sujeição em forma de fascínio e, sem direito dizer palavra, prendem pra sempre. Tão forte é a magia que faz perder a noção dos perigos, como outro dia em que, em plena  madrugada, paralisei às margens do Guaíba diante do que mais parecia um gomo gigante de bergamota. Mais alaranjada que  a própria laranja, refletia seu traço na extensão do rio - que como eu não teve escolha, sucumbiu também hipnotizado. Sem movimento. Um mundo de silêncios. Eu, o rio e sua majestade. De certo que a lua faz cometer loucuras porque de alguma forma garante proteção a quem se arrisca em seu nome. Hoje vi o calendário e marcava 12.12.2012. Olhei pro céu e não tinha risco de fogo, nem a bola magnética, mas lembrei dos pedidos juvenis às estrelas cadentes e à lua. Pedi, então, que meu olhar contemplativo de criança não me abandone jamais. 






terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Alguma compreensão









Gregory Colbert




Ser terra
E cantar livremente
O que é finitude
E o que perdura.
Unir numa só fonte
O que souber ser vale
Sendo altura.
     Hilda Hilst


sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Contestando flertes







Fotografia: Elena Kalis



Amar nos coloca numa posição de grande vulnerabilidade e fragilidade e por isso o amor é tão assustador. Se sentir desprotegido é uma sensação de morte. Amar é flertar com a morte, pois se tudo acabar é isso que vamos sentir, como se tivéssemos morrido. O grande amor é assustador e exige enorme coragem.*





Há muita confusão entre amor e paixão. Efêmera, a paixão capricha nas inseguranças e angústias que o tempo, para quem teve a 'sorte' de se permitir, dá um jeito de ensinar que se trata de uma das mais paradoxais sensações. Das maravilhas aos horrores - de se desconhecer por não mais morar em si - residência fixa apenas no outro. Já o amor, construído, sem pressa, a partir da observação detida das identidades, e sem os véus da idealização romântica e cega que quer um espelho, somente este, à mim, parece capaz de permanecer no tempo. Houve o tempo necessário para identificar aquele(a) que ensandece no que seja, e ainda assim acalma a alma - na doce loucura que é a cumplicidade singular de quem verdadeiramente ama. Quem flerta com a morte é a paixão cega [redundância na cegueira]. Nesta fase da vida, fico com a ideia de que amar é flerte com a transformação.





* Da querida amiga Andréa Beheregaray. Recomendo a íntegra.
http://andreatpm.blogspot.com.br/2011/12/cronica-virtual-texto.html





terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Distância




Kris Kuksi, ''Reticent Affair"



Olho no olho, no frio,
deixa-nos também começar assim:
juntos deixa-nos respirar o véu
que nos esconde um do outro,
quando a noite se dispõe a medir
o que ainda falta chegar
de cada forma que ela toma
para cada forma
que ela a nós dois emprestou.
                           Paul Celan













segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Estágios







O Jardim do Amor. Miniatura de Roman de la Rose. Flandres, final do sec. XV





"O mundo é um palco; os homens e as mulheres, meros artistas, que entram nele e saem. Muitos papéis cada um tem no seu tempo; sete atos, sete idades. Na primeira, o grito e a baba nos braços da mãe. Depois, o rosto matinal de serpente que se arrasta para escola a contragosto. O amante vem depois, fornalha acesa, celebrando as sobrancelhas da mulher desejada. Em seguida, o soldado, cheio de juras feita sem propósito, a buscar a glória vã na boca dos canhões. Segue-se o juiz, de olhar severo e estômago cheio, impondo as sentenças e as certezas que seu papel exige. Na sexta idade o mundo é amplo demais para as pernas mirradas e o falsete da voz infantil que voltou. A última cena, remate desta trágica história, é o esquecimento, a vista falha, os dentes, o gosto, tudo, nada."  William Shakespeare