terça-feira, 18 de outubro de 2011

Do mundo jurídico: O fim de “Morde e Assopra” e o mundo imaginário dos juristas

Vozes que merecem ser ouvidas, ou palavras que merecem ser lidas, para um outro olhar sobre o mundo jurídico, justificando a escolha de seguir acreditando em um Direito diferente do senso comum.

Janice.




O fim de “Morde e Assopra” e o mundo imaginário dos juristas



O fim de “Morde e Assopra” e o mundo imaginário dos juristas

                                                                                   Gerivaldo Neiva *

Dia desses, navegando sem muito rumo na Internet, deparei-me com a notícia de que um novo mundo, com dinossauros e tudo, teria sido descoberto no interior do planeta terra. Segundo o relato, exploradores de caverna, em busca do fóssil da cabeça de um dinossauro, teriam encontrado este mundo fantástico após caírem em um lago profundo no interior de uma caverna.
Os noveleiros e noveleiras de plantão já sabem que este fato aconteceu no último capítulo da novela “Morde e Assopra”, da Rede Globo. Na pobre ficção global, os personagens encontraram a cabeça do dinossauro e, de quebra, a heroína reencontrou os pais, isolados neste mundo fantástico há muitos anos, e ainda trouxeram para a superfície uma mochila carregada de diamantes.
A ficção é pobre e sem o menor sentido. Apesar de localizado no centro da terra, no lugar encontrado existia luz e plantas. Como assim? De onde vem esta luz? Como ocorre a fotossíntese sem o sol? E o oxigênio, como era renovado? Ora bolas, em novela nada disso interessa e o telespectador se satisfaz com o final feliz e já dorme pensando na próxima novela. Muita parecida, aliás, com o enredo “daquela” outra novela que nem lembramos mais o nome.
Este mundo absurdo, desprovido de qualquer sentido real, no interior do planeta e distante, portanto, da vida nua, da poluição, da pobreza, da marginalidade e da violência urbana, lembrando Warat, fica parecendo aquelas fotografias de casamento em que os recém casados posam diante de um belo painel ou os bolos de casamento feitos de papelão nas cerimônias de casamento em Cuba. Em ambos os cenários, tal qual no mundo fantástico de “Morde e Assopra”, todos sabem que a paisagem por trás dos recém casados não é real e que o bolo é de papelão e serve apenas para compor a fotografia do casamento. Verdadeiros ou não, para a posteridade, no entanto, vão figurar como se fossem reais. Nossos olhares e mentes, como inebriados, serão absorvidos pela ilusão e o que era mentira torna-se verdade. Assim, de fato, os recém casados posaram diante de um palácio real e o bolo de casamento estava uma delícia. Segue a íntegra, aqui.
* Juiz de Direito (Ba), membro da Associação Juízes para a  Democracia (AJD), em 18.10.2011.


 

domingo, 9 de outubro de 2011

Julgamentos estéreis na desconsideração do outro

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Fotografia: Annie Leibovitz





Cansa-me a forma dos julgamentos. E isso não tem relação com a máxima de que não seria politicamente correto julgar, pois contraria a natureza humana. Todos julgam a todos e a tudo, o tempo todo, lançando olhares sobre fatos, atos, atitudes e concluindo algo sobre o que se apresente. Isso é julgar, formar convicção acerca de alguma coisa. Nada de errado.

O que a mim cansa são os julgamentos fundamentados no que seja 'normal'. Sei que o tema é batido, mas isto não significa que não mereça ser lembrado no intuito de sinalizar para o quanto se precisa crescer em nível de análise dos comportamentamentos, sobre nós mesmos e sobre o outro.

Julgar a partir do que seja normal. No Direito, por exemplo, há julgamentos motivados a partir de uma regra chamada 'experiência comum', que estaria representada pelo comportamento social usual frente a determinadas situações. Tal regra, em um julgamento, reforçaria a carga de aparência de verdade das alegações das partes no processo. Ou seja, se alguém recebe uma correspondência de cobrança indevida, o comum, habitual, é que a pessoa se insurja quanto a isto. É comum, mas nem sempre será 'a verdade' propriamente. Assim, somada à experiência comum  - comportamento usual coletivo -, outros elementos hão de vir ao processo para que se conclua pela inércia ou não diante do recebimento da cobrança controvertida.

No plano da vida cotidiana, comportamental, os naturais julgamentos humanos se processam de forma diferente. Parte-se de uma premissa de que comportamentos padrão coletivos são tidos como 'verdades absolutas' e, portanto, referenciais de normalidade.

Primeiro, embora se saiba é bom reforçar, não existe absoluto. Segundo, normalidade estabelecida a partir de um comportamento padrão será inexoravelmente afetada tão logo surja outra forma de agir, se posicionar. Afeta porque, ainda que se resista ao novo no intuito único de sustentar a segurança que a inércia traz à verdade estabelecida, o ato da resistência, por si só, acarreta o fim da zona de conforto do comportamento padrão, pois impõe um movimento diferente. Impulsiona para um julgamento e, assim, tira do estado de segurança.

Essa incômoda presença deveria servir, de antemão, não para precipitar uma conclusão de modo que se retorne ao estado confortável o quanto antes, mas sim entender que onde há resistência, há outras verdades, e que um julgamento mais próximo do justo será aquele que busca conhecer a verdade alheia antes da sentença que rejeita ou acolhe a forma do outro.

A par disso, quando digo que me cansa a forma dos julgamentos, quero chamar para os outros olhares que devemos ter sobre a aparência dos comportamentos. Aparência não diz com o que realmente é. Nada deve ser tido como normalidade - confundida com verdade aliás - quando a conclusão nascer e se sedimentar unicamente do olhar individual ou coletivo, a partir do microcosmos de convivência. Desse modo, tende-se a usar os filtros das verdades individuais sobre o objeto da observação, resultando conclusão de parecença, o que não traduz a verdade do objeto observado. Há outras formas de existir, ver e viver a vida e, portanto, fazer escolhas. Parece tão óbvio, mas o que observo é que a obviedade reside apenas em discursos.

Se é que se pode falar em normalidade, o normal deveria ser, então, cada um treinar sistematicamente o julgamento de suas próprias escolhas, depois observar as diferentes formas possíveis de se transitar na vida, contrapondo à sua própria forma. Daí então julgar. É que algo me diz que quem pratica o autoconhecimento consegue resistir menos às escolhas alheias, assim como dar menos importância aos julgamentos  recebidos - menos, pois enquanto seres sociais, não se pode dizer que julgamentos não afetam.

 


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