quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Diálogos que causam





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Fotografia: Shlomi Nissim




Diálogos que causam
seria algo próximo à trasmutação de estados, condição.

Mexem. Revolvem.
Modificam o esquadrinhamento de certos sentires,
compreensões,
construídos a partir de experiências boas,
outras nem tanto,
mas que guardamos sós.

Mexidos e homogeneizados
por meio da provocação,
transformam-se os sentires em novas sensações.
Alteram a ordem das coisas,
os olhares despendidos sobre nosso microcosmos particular.

 Resulta uma espécie de metonímia de sentimentos,
onde o sentir-se dilacerado
vai dizer de ricos fragmentos
de emoção –
involuntariamente desvelados.
Que, ao cabo, será bom.

Onde o maldizer circunstâncias
reveste-se de desafogo momentâneo,
desatando o nó
aliviando a ardida garganta -
machucada
pelo não-dizer.

Onde o aparente descaso
é de ser lido como negligência inconsciente
por circunstancial,
alheio a tudo que a nós possa parecer
pois do outro -
em sua verdade não nossa.

 E até mais pontual
- pueril, paradoxal -,
diálogos metamorfoseiam:
onde antes se lia tristeza
dali em diante se lê alegria.
Onde antes suscitava desassossego
da provocação redunda calmaria.

Onde antes sugeria vazio
O diálogo
[que causa]
- liquefeito -
permeia,
ocupa.





* Inspiração em dois dialógos distintos, com os amigos queridos: Démerson Dias e Lu Picolli

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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A_pegada





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Meu apego não diz, pois
com digitais que marcam.
Antes,
fortemente apegada
à pegada
que toca
a alma.




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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Das flores de acácia

Lembro dos beijos roubados
e daqueles consentidos, apertados
Das cóssegas que faziam dobrar de rir
Dos banhos de rio, permitidos somente mais tarde
depois da digestão da melancia
- que passei a não comer mais...
Dos passeios na barca Esperança,
nome que demorei anos
para entender a tua escolha.
Das bonecas, dos triciclos e bicicletas
dos Natais que faziam olhos brilhar
Dos discos tocando, dos passos ensinados de dança
Dos espetáculos dos palhaços no picadeiro
de cada circo que chegasse na cidade





Das lágrimas no teu rosto
e da tua mão segurando forte a minha
enquanto a criança chorava
em quartos de hospitais
- medo de 'injeções'
que eram para curar.
E por isso,
Das missas e procissões,
das asas de anjo,
pagando as tuas promessas
para Deus me salvar.
E me deste a vida duas vezes!




Das nossas sexta-feiras,
durante as férias,
convocada para o posto de navegadora de bordo
percorrendo as estradas de chão batido,
embriagados pelo cheiro das flores de acácia negra,
[a árvore de onde colheste tantos frutos,
é perfume
pra sempre
impregnado em mim]
Acompanhados de música,
cantarolávamos juntos
repertórios sem fim.




Do meu fascínio por guiar,
oriundo do teu colo,
me ensinando aquela lógica estranha
de trocas de marcha e direções.
Faltaria muito até alcançar
o entendimento
e os pedais.




Lembro do teu gesto de leão,
defendendo a leoazinha
- e nem era pra tanto...

Das tuas lutas e batalhas sociais
dos discursos que me orgulhavam
de tua conduta ética,
teu caráter, boa-fé exagerada,
sem jamais se deixar contaminar.

Compreendi a aparente ausência,
sabendo hoje que ausência de evidência
não significa evidência de ausência *
- era tua forma.

Enxergo o meu sorriso
e ganas
que lembram os teus.

  Obrigada por poder te agradecer.

[Adair Vianna -  25.09.1935 - 24.06.2012]



*Carl Sagan




terça-feira, 9 de agosto de 2011