sexta-feira, 18 de junho de 2010

Morte de Saramago = mundo ainda mais burro e ainda mais cego (Fernando Meirelles)

Perfeito o comentário de Fernando Meirelles hoje, diretor do filme baseado na obra Ensaio sobre a Cegueira, sobre a morte de José Saramago.

"A lucidez naquele grau é um privilégio de poucos, não consigo escapar do clichê, mas definitivamente o mundo ficou ainda mais burro e ainda mais cego hoje."

Pois é. Morreu o corpo de Saramago, e com ele a chance de novas publicações de ideias que mereceríamos saber. Só resta, então, ler e reler os pensamentos pensados num pensar exageradamente pensante daquele José. Seguem aí alguns trechos:


"Todos os dias têm a sua história, um só minuto levaria anos a contar, o mínimo gesto, o descasque miudinho duma palavra, duma sílaba, dum som, para já não falar dos pensamentos, que é coisa de muito estofo, pensar no que se pensa, ou pensou, ou está pensando, e que pensamento é esse que pensa o outro pensamento, não acabaríamos nunca mais."

"Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, nao vamos a parte nenhuma."

"Nós estamos a assistir ao que chamaria de morte do cidadão e, no seu lugar, o que temos, e cada vez mais, é o cliente. Agora já ninguém te pergunta o que pensas, agora perguntam-te que marca de carro, de roupa, de gravata tens, quanto ganhas…"

"As misérias do mundo estão aí, e só há dois modos de reagir diante delas: ou entender que não se tem a culpa e, portanto, encolher os ombros e dizer que não está nas suas mãos remediá-lo — e isto é certo —, ou, melhor, assumir que, ainda quando não está nas nossas mãos resolvê-lo, devemos comportar-nos como se assim fosse."

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Um dia paradoxal: da morte à balada

Hoje saí mais cedo do trabalho, pois tinha agendado fazer alguns exames médicos de rotina.

Sempre que fazemos exames laboratoriais, ou consulta médica, as pessoas próximas ou o médico que nos atenda vão logo perguntando se tem algo errado. Não, nada errado, preventivo mesmo! - é a resposta.

Pois é, preventivos, rotina. Prevenir, adiar, minimizar efeitos. A razão é uma só, postergar a morte. Ai! Pesado isso? É, ninguém tem apreço pelo tema – ao menos na contemporaneidade não.

A questão finitude é sempre posta de lado, deixada pra lá, adiado o enfrentamento para mais tarde, quando realmente bater à porta de cada um.

Não, não pretendo dizer do lado sombrio da finitude do corpo para o ser humano contemporâneo, sequer discorrer sobre seu significado para os povos antigos para melhor compreender as transformações de sua representação. Nem mesmo dizer das múltiplas formas de morte em vida. A intenção é outra.

É que hoje, por conta das repetidas vezes que ouvi a mesma fala - algo errado? -, acabei lembrando sim da talzinha, e com ela lembrei de uma palestra sobre o tema que assisti dia destes no Café Filosófico (programa altamente recomendado, ao invés do Show da Vida nos domingos à noite – canal TV Cultura-SP, 23h).

Enfim, o evento exames médicos de hoje, e que gerou as perguntas repetidas, me fez lembrar um registro da palestra, quando foi mencionado que a morte faz questionar o sentido da vida, desafia pensar a nossa condição. E, aqui o mote da lembrança, que quando fazemos isso, a morte se revelaria como um instante de vida.

Pois é, sem maiores filosofadas sobre o tema, enquanto me dirigia ao laboratório acabei pensando exatamente nisto, do quanto pode ser verdadeira a sentença de que nos instantes em que somos convocados a pensar a finitude é que avaliamos mais profundamente nossa condição, em vida. E que, sim, apesar das inquietudes, angústias e dúvidas que o fim possa causar, é somente neste exato instante que ela, a morte, se reveste de vida, pois invoca repensar nossa existência.
Por mais paradoxal que pareça, é o lado bom de se pensar ‘na desconhecida’, ainda que a única certeza desta vida.

Mas, noves fora, em seguida outro paradoxo do dia.
Chego em casa, vou ler meus e-mails e vejo uma sequencia de trocas entre um grupelho de mulheres, organizando uma balada para o final de semana. Para minha surpresa, fui incluída.
A surpresa não está no convite ou evento propriamente, embora não seja baladeira, mas sim na mescla de mulheres do grupo e, principalmente, no conteúdo do último e-mail recebido, que foi o primeiro que li. Dizia exatamente assim:
Olha.. ainda não sei se vou pra Cachoeira ou não, aviso vcs amanhã.. mas se eu ficaaaaar NAO QUERO SABER DE KO! E voto em uma noite mais pegada do que a Dublin. Estou pela maldade! hahaha

Bem, tive que parar para fazer algumas traduções até chegar à proposta da mocinha. Achei ótimo o exercício. Não sabia o que era 'KO', pensei, pensei e, sem me socorrer dos universitários, traduzi: caô. Bingo! Também não sabem o que significa? Gíria importada, carioca: mentira, golpezinho, ‘dar pra trás’, mentira branca. Enfim, seguindo a tradução ‘uma noite mais pegada’: lugar onde haja maiores possibilidades de encontrar pessoas que se aproximem de mim. E finalmente, ‘Estou pela maldade’: quero sair para ficar com alguém.

Pois então. Lidos e traduzidos os e-mails do grupo, e rindo de outras pérolas impublicáveis que achei por lá, fiquei pensando na diversidade do grupo e no quanto sempre poderá ser rica a interação com diversas tribos quando vemos apenas o ouro puro que se pode extrair de quaisquer situações. Bem, apesar disso, fato é que acabei linkando as falas da mocinha com o que eu havia pensado enquanto me dirigia ao laboratório de exames, e tive nisto um dos exemplos dos incontáveis mecanismos que as pessoas empregam para sentirem-se vivas, apesar da forma.

É instintivo proteger-se da morte. E para isso, vê-se que somos incansáveis nas múltiplas formas do sentir-se vivo.  Muitos não estão na idade de se apropriarem minimamente do significado finitude - e não que idade cronológica seja prerrogativa para isso. Outros, com mais milhas percorridas, com mais trecho, já tiveram algum contato com ela. Embora as diferenças, a similaridade estaria no fato de que não se tem o hábito do exercício de valorizar a vida, vai-se vivendo simplesmente, sem lembrar de que é com base em escolhas, boas ou ruins, certas ou erradas, conscientes ou não, que estabelecemos nossa condição - de vida.

Por isso, talvez não seja menos verdade que pensar nela, a morte, se revele um belo exercício de apropriação, valorização e recondução da vida, a partir de novas ou velhas escolhas. Sei que há controvérsias, mas é uma forma, também, de sertir-se vivo.

Ah, quanto ao grupelho de mulheres, vi que nem todas estavam pela 'maldade' e elegeram o lugar com a 'pegada' da diversão, pura e simplemente.



sábado, 5 de junho de 2010

As flores

Certa vez concluí: Flores são poesias não escritas.
Entretanto, pensando melhor ao ser presenteada com estas, complementaria que podem ser elas a materialização da palavra poética em sua plasticidade, cores, cheiros, e na dedicação à escolha.
Surpreendentes tulipas. Flores do frio, que aquecem a chegada deste inverno.